terça-feira, 11 de março de 2025

VISITA DA TEREZINHA (Crônica)

 Arnaldo Chagas

Hoje recebi uma visita rara. Não rara no sentido de preciosa, mas no sentido de frequência mesmo. Depois de um ano e três meses do AVC, fui permitindo, aos poucos, a entrada de visitantes na minha fortaleza de recuperação. Não que eu tenha me tornado um ermitão misantropo, mas há algo de profundamente exaustivo em explicar repetidamente como foi, o que mudou, se já estou bem, e ouvir as clássicas exclamações de "mas você está ótimo!" – como se eu tivesse saído de um spa e não de um enfrentamento com a morte.

Terezinha Pavão, colega de muitos anos, veio me ver hoje. Nome de santa, sobrenome de ave formosa. A julgar pela leveza com que atravessa os anos, talvez um pouco dos dois. Conversamos, eu, ela e Dolores, sobre a vida, os amigos, a velhice e o sumiço gradual das pessoas, como se fôssemos uma geração de vagalumes piscando pela última vez antes de apagar. Mas sem drama. Só constatação.

Em certo momento, Terezinha revelou sua resistência obstinada ao WhatsApp. Disse que, com 80 anos, prefere conversar cara a cara. A turma insiste para que ela compre um celular “moderno”, que entre na internet, que tenha câmera e um milhão de aplicativos, mas ela se mantém firme: gosta do peso do silêncio entre uma frase e outra, das rugas que aparecem no riso e das pausas que só o olho no olho permite. Achei poético e um pouco invejável. Eu mesmo, depois do AVC, me vi encurralado entre a necessidade de conexão e o cansaço de estar sempre disponível.

Falamos da solidão. O curioso é que nunca estivemos tão próximos virtualmente e, ao mesmo tempo, tão distantes fisicamente. O toque virou obsolescência programada. As mensagens de áudio substituíram a entonação do olhar. O tempo de resposta a um "Oi, tudo bem?" agora determina o grau de afeto, como se a vida real não fosse cheia de pequenos hiatos. Falei para Terezinha que estou terminando um livro sobre isso, essa dança trôpega entre a tecnologia e o humano, entre o que nos aproxima e o que nos deleta.

Ela ouviu com interesse, mas sem a menor intenção de se deixar seduzir. Para ela, a vida se passa onde os pés pisam e não na tela que se desliza com o dedo. De certa forma, Terezinha é um lembrete de que a existência não deveria precisar de senhas e autenticação em duas etapas.

Conversamos sobre a velhice, a aposentadoria e a finitude, sem aquele tom dramático de quem quer evitar o assunto. O engraçado é que, quanto mais velho a gente fica, mais desapego tem com essas questões. Aceitar o tempo é um talento que se adquire com ele. Falamos dos amigos que se foram e dos que ainda resistem, uns teimosos, outros apenas distraídos demais para perceber que a hora está chegando.

Antes de ir embora, Terezinha disse que queria me visitar há tempos, mas sempre adiava. "Precisava vir antes que fosse tarde demais", disse, como quem fala de comprar pão antes da padaria fechar. Achei bonito e levemente preocupante. Não sabia que meu conceito era tão bom com ela. Ou talvez tenha sido só uma maneira gentil de dizer que ninguém sabe quanto tempo tem.

Fiquei pensando: será que a vida não deveria ser como essa visita da Terezinha? A gente adia, adia, e quando vê, já perdeu a hora. Talvez seja esse o grande erro do nosso tempo. Estamos esperando o momento certo para visitar, ligar, abraçar, dizer que sente saudade. Estamos esperando um tempo que, na verdade, não espera pela gente.

No fim, talvez sejamos todos como notificações não lidas. Ignorados por distração, adiados por descuido, esquecidos por excesso de informações. E um dia, quando alguém finalmente decide abrir a mensagem, descobre que já foi tarde demais para responder.

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