Freud, em O mal-estar na civilização, já afirmava que a busca pela felicidade é, em essência, fadada à frustração. Para viver em sociedade, o sujeito precisa abrir mão da satisfação plena de seus impulsos. Laços sociais, sofrimento, insatisfação, cultura, sintomas e o desejo por um prazer sem limites fazem parte da condição humana e se ligam diretamente à estrutura da linguagem e ao modo como ela marca cada um de nós.
Hoje,
vemos os laços sociais se fragilizarem, e isso aparece no sofrimento
individual. Esse mal-estar atual é alimentado pelos discursos hegemônicos, que
moldam subjetividades. A psicanálise, no entanto, não nega o sintoma nem tenta
apagá-lo; ao contrário, toma o sofrimento como ponto de partida, sustentando
uma ética baseada no “não-todo” — uma abertura ao inconsciente e à
singularidade de cada sujeito.
Vivemos
sob o domínio de discursos que prometem felicidade, sucesso e realização
imediata. Ao mesmo tempo, cresce a violência, a desigualdade, a precarização da
vida. A lógica do consumo, da medicalização, da pressa e da busca por
satisfação ilimitada apaga o outro e acentua a angústia, a destruição e o
isolamento. Seriam esses os efeitos de um sistema guiado por uma política de
morte, centrada na exploração e no controle? Diante desse cenário, a
psicanálise caminha em sentido oposto: ela aposta na subversão, na criação e na
valorização da diferença.
Lacan
já alertava para os efeitos devastadores do discurso capitalista. Em uma
conferência no Hospital Sainte-Anne, apontou que esse discurso rejeita
simbolicamente a castração — ou seja, a falta que constitui o sujeito. E, ao
fazer isso, descarta também o amor. Em seu Seminário 20, Lacan reforça que
excluir o amor é deixar de lado o que está no centro da experiência analítica.
O
ritmo acelerado da vida imposta pelo mercado cria uma sensação de urgência
permanente. O discurso científico, ao propor respostas universais e técnicas
para o sofrimento, tenta apagar a perda e a dor — apagando também a
singularidade que vem com o amor. Isso resulta na banalização do trauma,
transformando-o em algo que se tenta resolver rapidamente, sem elaboração
simbólica. A consequência é o desaparecimento do tempo necessário para
compreender, fantasiar e recordar. Nesse contexto, o sujeito perde a conexão
com seu desejo e fica entregue ao desespero de agir sem sentido, tomado por um
gozo sem limites. O analista, nesse cenário, assume o papel de leitor do que
resta quando a urgência dissolve o sentido.
Diante
disso, surgem questões cruciais: é possível considerar o trauma como algo que,
mesmo inacessível, pode se relacionar com a violência e a ruptura dos laços
sociais? O trauma seria uma mensagem a ser interpretada ou a marca de um
equívoco que pode se tornar significante? Como a prática analítica pode operar
no contexto da urgência? O que o analista escuta nesses momentos em que o
sujeito aparece tomado pelo excesso? E como criar as condições para que, mesmo
na urgência, o sujeito possa emergir?
A
fragilidade dos vínculos sociais coloca desafios à transferência, elemento
central do processo analítico. Como sustentar uma análise quando o que se busca
é apenas eliminar a angústia e alcançar uma felicidade imediata? Talvez os
tempos atuais exijam que a psicanálise repense sua posição ética e política — e
que os psicanalistas reflitam sobre seu lugar na sociedade.
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