Comentários sobre o primeiro livro de
contos, "dos Exasperados aos Acometidos", de Arnaldo Chagas, que acaba de ser lançado pela Editora Drago (RJ):
Os contos que estão no livro foram selecionados dentre tantos
outros que tenho arquivados. Através das estórias, escancaro a brutalidade do
ser humano, mas também a sensibilidade e a solidariedade. São contos urbanos
que chocam, sensibilizam e comovem. Confronto o que há de pior e de melhor na
natureza humana. O leitor vai se deparar com um misto de crueldade e de
generosidade que cobrem as narrativas. Os contos relatam dramas que chocam e
revelam os limites do sofrimento humano, bem como, o destino imprevisível que seus
impulsos destrutivos podem alcançar, quando diante de situações desoladoras,
que podem abalar e desnortear qualquer pessoa.
Como ocorre o processo criativo do escritor Arnaldo Chagas?
Quais são suas inspirações?
O meu processo
criativo se dá sempre na solitude. Ocasião em que me isolo do mundo. São ocasiões
em que vou para o sítio da família ou quando me enclausuro no meu gabinete ou
consultório. Esses são meus cantinhos especiais e preferidos para reflexão, criação
e escrita. Nesses momentos consigo entrar em contato com meu mundo interno, com
minhas emoções mais profundas, daí, coloco “relativamente” em (des)ordem, as
ideias que me ocorrem. As ideias inventivas surgem de diferentes maneiras. Nisso
sou eclético, creio. De todo modo geral, minhas inspirações surgem de situações
observadas ou/e vivenciadas na realidade objetiva. Quase todos os contos
apresentados no livro "dos Exasperados aos Acometidos", por exemplo,
tiveram inspirações em fatos. Daí imagino várias possibilidades de
desenvolvimento dos conflitos e seus finais. Às vezes já está tudo projetado quando
me lanço a escrever, outras vezes, tenho uma ideia vaga e me lanço a escrever,
durante o processo de escrita, as ideias vão surgindo. Nesses casos, até o desfecho
me surpreende, justamente por ser inesperado. Isso é algo incrível. Relaxo e
deixo o inconsciente trabalhar a meu favor.
Um exemplo é o conto “Pronto, Socorro”.
Certo dia presenciei um acidente terrível. Um carro e uma motocicleta se
chocaram violentamente. Como também sou motociclista – viajo de moto – esse
acidente me impactou profundamente, ademais, como trabalhei a vida toda em
hospital e socorri muitas pessoas acidentadas, nasceu o referido conto. O leitor,
a leitora, perceberá (sem spoiler), que o movimento da narrativa “vai se movimentando
com o personagem, da rua para dentro do hospital”, cenário, aliás, onde ocorre a maior parte da estória e seu desfecho. Todos os contos desse livro, têm um pé
cravado na realidade factual. Se são contos realistas ou não, deixo para os leitores
decidirem e opinarem.
Outra inspiração é a escuta atenta. Costumo
dizer, que “a melhor escola de escuta é o silêncio atento”. Escuto pessoas
livremente, de forma amoral, procuro ouvir sem intervir. Anoto o que ouço. Por
meio dessas anotações, vou elaborando associações de ideias e registrando. Depois guardo
numa gaveta para retomar mais tarde.
Um pequeno trecho de um dos contos do livro:
Do conto: “Tormento kafkaesco”, p. 35, do livro:
Sábado pela manhã, um frio de tiritar,
ouço o barulho da camionete. É papai chegando na fazenda. Vejo-o pela janela
dando ordem a três peões para reunir o rebanho no curral. Feliz da vida vou ao
encontro de meu pai:
— Bom dia, coronel Miranda. Vão vacinar
o bicharedo?
— Melhor que isso. É dia de abate.
— Abate!?
— Sim. Doei a carne para a festa de
amanhã.
Paralisei. Notei que o gado está
agitado no curral. Mimoso me olha e tenta andar em minha direção, mas um peão
grita e o faz voltar. Meu coração dispara, sinto um aperto no peito, um nó na
garganta, estou sem entender nada. Olho para a Juraci. Ela observa da janela em
silêncio. Não consigo reagir, meu defeito de sempre. Algo me inibe por
completo.
Papai olha tranquilamente para o
rebanho, aponta para Mimoso:
— Aparta esse zebuzinho aí. Tá no
ponto!
Uma aflição terrível toma conta de mim.
Não! Não pode ser!
Com a corda já no pescoço, Mimoso
pressente o perigo. Seus olhos arregalados fixam os meus. Berra pedindo ajuda.
Ele sempre quando me via corria para perto de mim. Eu me desespero. Não sei o
que pensar, o que fazer.
Em breve uma entrevista completa do escritor Arnaldo Chagas, para a Revista "Conexão Literária" (total: 359.674 seguidores) & "Paralelo 29".