Arnaldo Chagas
Certa vez acolhi uma paciente em terapia que chorava, inconsolavelmente, pela dor da perda de um familiar que amava. A morte teria o levado para sempre.
Como
ser um humano comum e sensível a dor do outro, em algum momento teria vontade
de enxugar as lágrimas dessa paciente, quem sabe abraça-la, dizer uma palavra
de conforto - de que aquela dor passaria com o tempo, ou, ao menos, seria
abreviada. Nesse caso, é como se dissesse: “pare de chorar (chega!), não aguento
mais ver isso”!
A
princípio, por empatia e por compaixão, não haveria mal algum nessa atitude de
tentar consola-la, afinal, é comum as pessoas agirem dessa forma quando alguém
próximo está sofrendo. Certamente porque sofremos juntos, por por velo assim.
No
entanto, tratando-se da posição de um psicanalista, ele precisa adotar uma
postura de certa “abstinência” (não confundir com frieza). Abster-se, tanto
quanto possa, significa abdicar ou privar-se de tomar uma decisão, atitude ou
executar determinada ação. Significa respeitar a dor do outro.
Em
síntese, o que a paciente mais queria e precisava naquele momento, era
realmente poder chorar. Nada que eu pudesse fazer e/ou dizer, amenizaria ou
suprimiria a dor que ela estava sentindo. Doía muito a dor da perda da pessoa
que amava. O vazio deixado pela morte (ausência) dessa pessoa era imenso. Teria
devastado sua vida. Assim sentia e verbalizava.
Se eu
a abraçasse, secasse suas lágrimas, dissesse algo no sentido de tentar amenizar
“a situação”, estaria confundindo, minhas “questões” com as dela. Afinal,
minhas “questões”, minha dor, minhas faltas, meus sintomas, meus medos, etc,
vejo e trato em minha análise pessoal com minha analista.
Certamente
ela também não me abraçaria, não me diria “palavras de conforto”, menos ainda
secaria minhas lágrimas. Isso quem faz, geralmente, são nossos familiares,
nossos (as) amigos (as), visto que, também é difícil para eles, ter que
presenciar a dor do outro, sobretudo, quando não há nada que se possa realmente
fazer de efetivo para sanar por completo tamanha dor. Essa situação, mobiliza
representações inconscientes de suas próprias dores.
Analista
não é amigo. Se estiver agindo como tal em seu ofício, está cometendo um
“deslize”, ferindo frontalmente a ética da profissão. Isso é diferente de
acolher alguém que sofre, respeitar sua dor, mediante uma escuta atenta e
“flutuante” que, assim, o analisando, vivenciando essa dor, significando-a, ou
simbolizando-a, poderá dar um destino a ela, através daquilo que ele traz na
fala e dirige ao analista. Quem sabe, poderá encontrar, daí sim, um certo
alívio para seu mal-estar.
O
analista trabalha com aquilo que não se sabe, com um saber insabido,
(inconsciente), muito embora o analisando o coloque na posição de um Sujeito
Suposto Saber, aliás, isso é necessário para que uma análise se efetue como um
processo terapêutico. De fato, eu não sei sua hora de parar de chorar, de
sofrer. Aliás, será que alguém realmente sabe?
Ou
então, acreditar que pode lançar um “saber definitivo” (uma vez que jamais
poderá vivenciar a experiência) sobre a dor do outro, ou melhor, querer livrar
o outro de sua própria dor, não seria por que a presença e a revelação dessa
dor mobilizam nossas próprias dores recalcadas, negadas?
Diante
disso, é possível ter uma ideia do porquê, um sujeito só pode se tornar
(psic)analista, por exemplo, depois de um longo tempo de análise pessoal. O
desamparo (constitutivo) do ser humano, que remete a (dor da) perda (ou das
perdas do outro), é característico e, no “fundo”, similar a seu próprio
desamparo (sua dor, a dor da existência) que, aliás, tratada em análise
pessoal, permite “um dia”, então na clínica, escutar, em posição de
abstinência, a dor dos outros, porém, não mais com base em seu desamparo, em
sua dor (recalcada ou negada), uma vez, que foi, o quanto possível,
simbolizada, quem sabe até, significada, digerida e definitivamente aceita.
Portanto, como nos ensina Freud, “o analista deve ser opaco para seus pacie
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