Arnaldo Chagas
Neste texto, proponho ponderar e refletir sobre o fanatismo e o comportamento dos fanáticos , tanto no âmbito religioso, quanto político. Ambos os tipos de fanatismo, produto de extremismo e intolerância, geraram uma variedade de ações violentas e cruéis tanto no Brasil, como ao redor do mundo, logo, convidamos discutir, refletir e esclarecer o interesse, bem como resistir e combatê-lo.
Praticamente todos nós conhecemos pessoas fanáticas, aquelas que adotamos e defendemos cegamente, com devoção, um credo religioso ou uma ideologia política. Nada o faz mudar de opinião. É como se tais pessoas encontramssem uma verdade última ou certeza absoluta, daí, fazem o que podem para afirmar a primazia de sua fé como muitas pessoas e não toleram opiniões diferentes das suas, por considerá-las equivocadas.
O fanatismo pode ser entendido como um estado psicológico de impulsão excessiva, irracional e persistente em relação a uma ideia, pensamento ou coisa. O fanatismo também pode ser considerado uma paixão, admiração ou zelo exagerado e cego a uma pessoa, líder, celebridade, há um Deus, há uma crença, ideologia, símbolos, etc.
O fanatismo indica tudo aquilo que os fanáticos veem como mal e, por isso, combatem e querem eliminar do mundo, para o “bem da humanidade e para a felicidade do ser humano”. No âmbito específico da religião (ainda que possa ser semelhante ao fanatismo político), o fanatismo, caracteriza-se como um compromisso exasperado do crente em defender suas convicções ou posições doutrinárias e convencer os outros a abraçar a mesma fé. Quanto mais essa fé se sentir questionada e ameaçada, maior o compromisso em defendê-la e mostrar seu valor e eficácia. O fanatismo, aliás, é muito frequente em pessoas com “personalidades” paranoides (com ideias persecutórias) que, ao apoiarem especificamente a uma causa, seus pensamentos podem aproximar-se ou se confundirem com delírio.
Tomo como exemplo, fanáticos bolsonaristas, não têm a intenção de trazer elementos para compreendermos o mundo em que vivemos, porém, o fanatismo, diz respeito a qualquer ideologia política ou religiosa que se segue e defende de maneira cega e extrema.
As atitudes bizarras, extremas, motivos de chacotas e memes, de bolsonaristas encarniçados, inconformados com o resultado das eleições, aglomerados em frente aos quartéis, intervindo bem como atitudes de crentes pentecostais (mas não só), que choram, gritam e oram andando a divina, numa verdadeira crise de histeria coletiva, revelam fanatismo.
Em Porto Alegre, andei entre os manifestantes bolsonaristas que protestavam, inconformados, com a vitória de Lula nas últimas eleições. Observei, filmei, gravei e interpretei suas falas, atitudes e reivindicações. Daí a ideia de escrever esse texto, pois, trata-se das características do fanatismo. Nos referimos aos protestos, com intenção golpista, em frente aos quartéis, há vários cartazes e pessoas implorando ajuda das forças armadas e reivindicando intervenção militar (que dissimuladamente decidiu chamar de “intervenção federal”), com Bolsonaro no poder. O argumento principal resume-se em: “as eleições não foram legítimas, ouve fraude”.
Vi mulheres fascinadas, vestidas de verde e amarelo, enroladas na bandeira do Brasil, marchando pelas ruas e, numa espécie de jogral, cantavam repetidamente: “SOS, Bolsonaro”, “SOS, Forças Armadas...”. Uma multidão cantava, praticamente o dia todo, o Hino Nacional, o Hino da bandeira, etc.
Em Santa Catarina, bolsonaristas fanáticos cantaram o hino nacional fazendo um gesto semelhante à saudação nazista (“Sieg Heil”). Além disso, só um fanático, arrisca a vida por uma causa baseada e conspirações, protegendo-se nos limpadores de pára-brisa de um caminhão, sendo carregado por vários quilômetros. Só fanáticos cantam o Hino Nacional para um pneu, etc. Vários manifestantes choravam, cantavam, oravam ajoelhados e marcham pedindo intervenção militar. Só os mesmos fanáticos acreditam e defendem teorias conspiratórias como se fossem verdades absolutas, pior sem nenhum constrangimento. É como se eles estivessem defendendo uma verdade que só eles enxergam.
Diante disso e com a ajuda das novas tecnologias da informação e das redes sociais, já não podemos discernir com tanta segurança e verdade, o que é realidade factual e o que é ficção. Eles parecem que estão se confundindo na atualidade. O filósofo italiano Ian Vattimo, já havia nos precavido de que a “realidade em si não existe” , uma vez que, ela nunca está dissociada das interpretações. Como afirmou Nietzsche, “ o mundo verdadeiro nos converteu em fábula”. Tudo aquilo que nossa imaginação cria não poderá encontrar na realidade uma reprodução exata.
O certo, como nos ensinou Freud, é que a realidade se apresenta como fonte de todo sofrimento. Somente com a realidade factual é impossível vivermos, de maneira que, se quisermos ser de algum modo felizes, temos de romper, até certo ponto, as relações com ela, criar “ficções, ilusões, enfim, fantasiar”. Assim, podemos tentar recriar o mundo, em seu lugar construir outro mundo , no qual seus aspectos mais insuportáveis sejam eliminados e substituídos por outros mais adequados a nossos próprios desejos. No caso do fanatismo, os fanáticos se perdem em si e de si, passam de todos os limites e acabem criando e acreditando numa realidade paralelamente . Ora, o trabalho construtivo, a arte, por exemplo, em geral, já nos bastaria. Os seres humanos não vivem sem ilusões e acreditam, elas são condições permitidas, para que possam enfrentar uma “realidade” que dura demais para eles, quase sempre insuportável.
Nem sempre as ilusões precisam ser necessariamente falsas, irrealizáveis, ou permanecerem em contradição com a realidade. Elas não referem ser um engano ou um erro. Algumas delas podem ser realizadas, porém, outras, como é o caso do fanatismo aqui apresentado, não.
Aquelas conversas e ilusões, que mobilizam e que uma massa de manifestantes bolsonaristas fazem investimento, estão em contradição com as provas da realidade. Ora, como diz Freud, a crença, a fé, as ilusões, realizáveis ou não, dizem da construção imaginária do sujeito. A ilusão desenvolve-se desde tempos remotos através da experiência subjetiva que se tem do mundo externo e do mundo interno, sem ela, seria praticamente impossível suportar as imposições, os desafios da realidade e as ameaças constantes de sofrimento, que são apresentadas aos homens pela civilização. O ser humano encontra nas ilusões um “lugar de satisfação”; nelas, o homem que busca evitar o sofrimento ou o desprazer que é imposto pela natureza, procura encontrar um refúgio do mundo como se transcendesse a ele. O recurso à proteção enganada é uma tentativa constante que ressurgirá sempre que a distância entre o sonho e a realidade for fonte de grande insegurança e angústia. São estas as características da ilusão.
O que é característico no comportamento do fanático é que ele vive de uma fidelidade intensa. Diz ser verdadeiro e autêntico. Na verdade, é um devoto incondicional de uma causa, justamente por estar tomado pela fé, crença e ilusão, por isso, rejeitar e desprezar as provas da realidade. O zelo excessivo a uma ideia, ideologia, etc, faz com que ele perca a capacidade de reflexão crítica.
A crença, a fé cega e a ilusão, como Freud nos ensinou, “provoca o desaparecimento do trabalho do pensamento, o qual comporta interrogação , dúvida, exercício mental. Pensar implica um processo doloroso, infinito, que só pode levar a respostas temporárias , as quais destinam-se a ser um dia superadas. Mas o pensamento é também descoberta, alegria frente ao desconhecido , causada diante da percepção de novos caminhos, excitação ao encontrar, enfim, acessível e elaboração dos conflitos nos quais se debate. Quanto a opinião, ela é impedida, ponto de chegada, resposta dogmática e definitiva ”.
Em “Psicologia das multidões”, Le Bom afirmou, que “nas grandes multidões, acumula-se a estupidez em vez da inteligência. Na perspectiva coletiva, os aptidões intelectuais dos indivíduos e, consequentemente, suas personalidades se enfraquecem”. É uma falta de inteligência que leva os fanáticos a uma doutrinação, por quem protagoniza discursos que influenciam e manipulam pessoas. Sua razão decaí, sua visão torna-se estreita e a emoção se destaca em sua mente, cegando-o. Como exemplifica Le Bom, “o sujeito se torna facilmente submetido a manipulações e doutrinas. E sem saber — ou não — quem sai beneficiado por mais um fanático em determinada causa, é quem a sustenta: o partido político; uma religião; um líder”.
O fanático vive de expectativa utópica, ilusória. É diante desse “engodo” que ele se movimenta. Para ele, o mal reside naquilo e naquelas que contrariam seu modo de pensar, levando-o a adotar condutas irracionais e agressivas que podem, inclusive, chegar a extremos perigosos, como o recurso à violência e meios cruéis para importar a acessíveis ao seu ponto de vista.
Os extremamente fanáticos possuem uma visão de mundo unilateral e inflexível. Não raro, deprecia e amaldiçoa todo aquele que não está alinhado e não compartilha de suas perspectivas, visões de mundo ou pontos de vista. Eles são abastecidos ideologicamente, sobretudo, por teorias conspiratórias, ressentimentos e discursos de ódio, em relação aos supostos inimigos, daí, muitos sentem-se autorizados a ofender e atazanar a vida de outras pessoas.
O fanático, como podemos constatar, é exaltado, extremista e intolerante. Pelo seu zelo obstinado, pode-se valer inclusive de violência e meios cruéis, como já afirmamos, a fim de obrigar os outros, a seguir aquilo que acredita, ou punir aqueles que não estão afim de abraçar sua causa. Nesses casos, não importa se aquilo que ele acredita é falso, ilusão, mentira ou conspiração.
É importante não confundir um entusiasta de uma ideia, ou causa legítima e nobre, com um fanático. O fanático, é um devoto fascinado e obstinado por dada crença, ilusão ou dogma. Ele se fixa exasperadamente em uma ideia. Verifique-se em sua conduta, a imposição do Único e a negação da pluralidade. Busca e aceita sem questionar uma “verdade absoluta” no que crê, daí, não há mais divulgação, só subordinação e obediência cega. Aos outros, que não creem ou contestam tais verdades, autorizados como respostas dos fanáticos, aversão, ódio e ataques.
Um dos maiores exemplos de fanatismos coletivos que conhecemos na história mundial, foi o nazismo. A ideia básica era: “crer, obedecer e lutar”. O fanatismo está sempre relacionado a acontecimentos de exaltação coletiva. Muitos personagens, líderes históricos, considerados fanáticos, foram fundadores ou seguidores de seitas, eles fornecem, através do carisma e das opiniões que transmitem, sugerem, capturam e manipulam adeptos.
Começar, na defesa exagerada e cega de um partido político, ideologia, crença, etc, abole-se os limites da razoabilidade humana, daí, passar da civilização à barbárie, é um passo. De todo modo, o que não é incomum, é que, na primeira decepção, facilmente o fanático toma posição favorável ao que acreditau e logo busca encontrar outra verdade para poder acreditar, isto é, se fascinar e se iludir novamente.
Por fim, o melhor antídoto contra o fanatismo, é uma educação intelectual, civil e democrática, uma educação que possa proporcionar uma livre discussão de ideias e a reflexão crítica, ao contrário da educação autoritária, contendo de verdades últimas, definidas e absolutas. É preciso compreendermos que existe uma imensa gama de vias de acesso às realidades e verdades, se valer de uma única via, é o risco que corremos de desembocar no fanatismo.
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