sexta-feira, 18 de abril de 2025

SINDROME DO ESPECIALISTA DE INTERNET

Fone de ouvido


Arnaldo Chagas

Vivemos tempos curiosos. Em meio a uma explosão de dados e informações disponíveis a um clique, tornou-se comum ver pessoas assumindo posturas de especialistas em temas que desativam anos — às vezes décadas — de estudo, prática e experiência. De repente, o sujeito que nunca abriu um livro sobre imunologia debate com virologistas. Uma moça que nunca estudou economia comenta sobre câmbio, juros e inflação como se fosse consultora do Banco Central. O torcedor que só vê os melhores momentos no YouTube quer ensinar tática para técnico da seleção. 

A internet, mais especificamente o Google, virou o novo oráculo da verdade. O problema? Muitos consultam esse oráculo apenas para confirmar o que você já pensa. Estamos diante do que pensamos sobre a síndrome do especialista de internet: uma preocupação social que mistura superficialidade informacional, excesso de confiança e uma crescente incapacidade de escuta. Trata-se de um comportamento que afeta tanto a qualidade dos debates públicos quanto a saúde das relações sociais. E, de forma mais profunda, escancara a fragilidade de um tempo em que saber virou performar conhecimento — não necessariamente tê-lo. 

A informação, sem mediação, cheia de impacto A promessa da internet era democratizar o acesso à informação. Em parte, ela cumpriu. Nunca foi tão fácil encontrar textos, vídeos, fóruns e artigos científicos. Mas essa democratização trouxe consigo um paradoxo: **quanto mais acesso temos, menos sabemos distinguir o que é válido do que é ruído**. No passado, o conhecimento era filtrado por instituições: escolas, universidades, editoras, revistas científicas. Hoje, esse filtro é pulverizado. Qualquer um pode escrever, opinar, compartilhar. Em tese, isso é positivo. Mas, sem critérios, a internet transformou-se num mercado de informações desiguais, onde o artigo mal traduzido de um blog qualquer tem, na mente de muitos, o mesmo peso que uma publicação revisada por pares da *Nature*. Não à toa, **a confiança no saber tradicional caiu**, e com ela a autoridade do especialista legítimo. Afinal, se tudo está na internet, por que ouvir quem estudou dez anos, se eu posso "me informar" em quinze minutos de pesquisa? 

A ilusão do saber instantâneo A síndrome do especialista de internet nasce, em grande parte, de uma **confusão entre acesso à informação e compreensão do conhecimento**. Ler um tópico no Twitter sobre psicanálise não te torna psicanalista. Assistir a dois documentários sobre aquecimento global não te transforma em climatologista. A diferença entre saber algo e entender profundamente esse algo é abissal. Mas essa diferença, hoje, é frequentemente ignorada — ou ridicularizada. É aqui que entra a arrogância travestida de “autonomia intelectual”. A ideia de que tudo saber deve ser horizontalizado é, na prática, um desserviço ao pensamento crítico. Desconfiar da autoridade é saudável; completamente o acúmulo técnico e científico é **um convite ao obscurantismo despreocupado travestido de liberdade de expressão**. 

Curiosamente, esse público revela mais insegurança do que autoconfiança. Afinal, quem realmente sabe, sabe o suficiente para considerar os limites do próprio saber. O falso especialista, por outro lado, **usa o pouco que leu como armadura para parecer superior**, quando na verdade teme considerar que há coisas que ainda não compreende. 

O especialista de internet não ouve — ele espera a sua vez de falar Um dos efeitos mais perniciosos dessa síndrome é a perda da escuta. O "especialista de internet" não debate: ele performa. Não pergunta: ele sentenciou. Em vez de dialogar, ele disputa. Seu objetivo não é compreender o outro, mas provar que está certo — ainda que para isso seja preciso distorcer argumentos, interromper falas ou citar links aleatórios como se fossem verdades absolutas. 

Esse comportamento é facilmente identificável em redes sociais, sobretudo em debates sobre temas complexos: vacinas, políticas públicas, crises internacionais, economia. O cidadão médio lê um artigo — às vezes nem isso, só o título — e se sente no direito de questionar especialistas de carreira, desqualificar pesquisadores e tomar para si o monopólio da razão. O que está no jogo aqui não é só vaidade, mas um **modelo de subjetividade que valoriza mais o impacto de uma opinião do que sua veracidade**. 

Nessa lógica, vale mais parecer inteligente do que, de fato, entender. Vale mais lacrar do que aprender. O resultado? Um ambiente onde todos falam, mas quase ninguém ouve. Onde todo o mundo sabe de tudo — menos da própria ignorância. --- ### Entre a comédia e a tragédia Essa aparência tem um lado cômico, sem dúvida. É engraçado ver alguém citando um artigo de 2006 fora de contexto para "refutar" um especialista com 30 anos de experiência. É irônico ver pessoas que nunca frequentaram uma universidade acusando cientistas de "ideologização" com base num meme. 

Mas a graça desaparece quando percebemos os efeitos disso no mundo real. Durante a pandemia, vimos o estrago de que a síndrome do especialista de internet pode causar: desinformação viralizada, teorias da conspiração travestidas de ciência, pessoas tomando decisões de saúde pública com base em vídeos do WhatsApp. E, pior: vimos autoridades políticas se aproveitando dessa síndrome para deslegitimar a ciência e fortalecer narrativas autoritárias. Não é exagero dizer que **essa nova forma de ignorância ativa é uma ameaça à vida em sociedade**. Porque ela corrói o tecido do diálogo, sabota o esforço coletivo de compreender a realidade e mina a confiança em instituições fundamentais. 

O que perdemos quando todos "sabem de tudo"? A internet, com sua infinita biblioteca digital, deveria ter nos tornado mais humildes — afinal, nunca estivemos tão expostos à vastidão do que não sabemos. Mas, paradoxalmente, parece ter nos tornado mais arrogantes. A sensação de saber algo — mesmo que mal — nos dá um poder simbólico de que muitos não querem abrir a mão. Saber virou um palco. E nesse palco, **a vaidade do saber performado parece importar mais do que a busca sincera por entendimento**. O resultado é uma geração que sabe muito de tudo e um pouco de si mesma. Que lê rápido, fala alto e escuta um pouco. Que confunde opinião com argumento, dado com contexto, e achismo com verdade. Num mundo em que todos querem ser ouvidos, quem ainda está disposto a ouvir? --- **E se o maior sinal de sabedoria hoje para, com justiça, saber calar?**É irônico ver pessoas que nunca frequentaram uma universidade acusando cientistas de "ideologização" com base num meme. Mas a graça desaparece quando percebemos os efeitos disso no mundo real. Durante a pandemia, vimos o estrago de que a síndrome do especialista de internet pode causar: desinformação viralizada, teorias da conspiração travestidas de ciência, pessoas tomando decisões de saúde pública com base em vídeos do WhatsApp. E, pior: vimos autoridades políticas se aproveitando dessa síndrome para deslegitimar a ciência e fortalecer narrativas autoritárias.Não é exagero dizer que **essa nova forma de ignorância ativa é uma ameaça à vida em sociedade**. Porque ela corrói o tecido do diálogo, sabota o esforço coletivo de compreender a realidade e mina a confiança em instituições fundamentais. 

O que perdemos quando todos "sabem de tudo"? A internet, com sua infinita biblioteca digital, deveria ter nos tornado mais humildes — afinal, nunca estivemos tão expostos à vastidão do que não sabemos. Mas, paradoxalmente, parece ter nos tornado mais arrogantes. A sensação de saber algo — mesmo que mal — nos dá um poder simbólico de que muitos não querem abrir a mão. Saber virou um palco. E nesse palco, **a vaidade do saber performado parece importar mais do que a busca sincera por entendimento**. O resultado é uma geração que sabe muito de tudo e um pouco de si mesma. Que lê rápido, fala alto e escuta um pouco. Que confunde opinião com argumento, dado com contexto, e achismo com verdade. Num mundo em que todos querem ser ouvidos, quem ainda está disposto a ouvir? --- **E se o maior sinal de sabedoria hoje para, com justiça, saber calar?**É irônico ver pessoas que nunca frequentaram uma universidade acusando cientistas de "ideologização" com base num meme. Mas a graça desaparece quando percebemos os efeitos disso no mundo real. Durante a pandemia, vimos o estrago de que a síndrome do especialista de internet pode causar: desinformação viralizada, teorias da conspiração travestidas de ciência, pessoas tomando decisões de saúde pública com base em vídeos do WhatsApp. E, pior: vimos autoridades políticas se aproveitando dessa síndrome para deslegitimar a ciência e fortalecer narrativas autoritárias. Não é exagero dizer que **essa nova forma de ignorância ativa é uma ameaça à vida em sociedade**. Porque ela corrói o tecido do diálogo, sabota o esforço coletivo de compreender a realidade e mina a confiança em instituições fundamentais. 

O que perdemos quando todos "sabem de tudo"? A internet, com sua infinita biblioteca digital, deveria ter nos tornado mais humildes — afinal, nunca estivemos tão expostos à vastidão do que não sabemos. Mas, paradoxalmente, parece ter nos tornado mais arrogantes. A sensação de saber algo — mesmo que mal — nos dá um poder simbólico de que muitos não querem abrir a mão. Saber virou um palco. E nesse palco, **a vaidade do saber performado parece importar mais do que a busca sincera por entendimento**. O resultado é uma geração que sabe muito de tudo e um pouco de si mesma. Que lê rápido, fala alto e escuta um pouco. Que confunde opinião com argumento, dado com contexto, e achismo com verdade. Num mundo em que todos querem ser ouvidos, quem ainda está disposto a ouvir? --- **E se o maior sinal de sabedoria hoje para, com justiça, saber calar?**O resultado é uma geração que sabe muito de tudo e um pouco de si mesma. Que lê rápido, fala alto e escuta um pouco. Que confunde opinião com argumento, dado com contexto, e achismo com verdade. Num mundo em que todos querem ser ouvidos, quem ainda está disposto a ouvir? 

E se o maior sinal de sabedoria hoje para, com justiça, saber calar?

Um comentário:

  1. Também me deparo refletindo sobre a quem se deve ouvir quando todos se dizem especialistas? E defendem com tanta veemência que divergir chega a gerar discussão. Por vezes, me calo diante dos “especialistas da internet “ porque sinto que ambos não querem ouvir uma opinião, só desejam expressar a sua opinião, muitas baseadas em senso comum. São tempos difíceis para os verdadeiros especialistas!

    Ass: Patrícia Albarello

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Arnaldo Chagas Vivemos tempos curiosos. Em meio a uma explosão de dados e informações disponíveis a um clique, tornou-se comum ver p...