
Arnaldo Chagas
Vivemos em uma era de suposta hiperconexão. As pessoas estão mais ligadas do que nunca — a internet encurta distâncias, os aplicativos permitem conversas em tempo real, e a informação circula em velocidades que há poucas décadas seriam impensáveis. No entanto, cresce uma queixa comum e persistente: a solidão. Escuta-se em rodas de amigos, em conversas de consultório, em relatos nas redes sociais. “Ninguém mais se importa”, “falta diálogo”, “me sinto só, mesmo rodeado de gente”.
Como é possível que uma sociedade que nunca esteve tão comunicada seja, ao mesmo tempo, tão solitária?
A resposta não se encontra apenas na tecnologia, mas na forma como ela tem sido incorporada à vida social.
A cena cotidiana fala por si: casais em restaurantes, lado a lado, mas com os olhos cravados nas telas; famílias reunidas fisicamente, mas isoladas emocionalmente; amigos que compartilham memes, mas não mais silêncios ou confidências. O telefone celular, esse dispositivo que nasceu como promessa de aproximação, tornou-se, paradoxalmente, um obstáculo invisível entre corpos presentes.
O paradoxo do estar junto, mas não estar
Não há aqui uma nostalgia do passado ou uma negação dos avanços tecnológicos. A questão é mais sutil e, ao mesmo tempo, mais urgente: estamos trocando a profundidade pela instantaneidade, o contato real pela resposta rápida, o diálogo pela performance.
As relações humanas estão sendo empacotadas, filtradas e vendidas como experiências rápidas, leves e, sobretudo, evitáveis quando se tornam incômodas.
Conversar exige escuta, exige pausa. Exige convivência com o imprevisto, com o desconforto da divergência e com o tempo do outro. Mas tudo isso se torna um obstáculo quando a lógica que organiza nossa vida é a da produtividade, da velocidade e da autoimagem. Na tela, posso escolher o que mostrar, como mostrar e, mais importante, quando interromper. No olho a olho, perco esse controle.
Estamos gradualmente desaprendendo a arte do encontro. E não se trata apenas de encontros românticos, mas de encontros humanos em sua totalidade: com o parceiro, o colega de trabalho, o vizinho, o estranho na fila do banco. O telefone torna-se uma espécie de escudo emocional, onde posso me proteger da intimidade e da complexidade das relações humanas.
A ilusão do vínculo digital
É tentador acreditar que estamos bem acompanhados só porque há muitas notificações chegando. Mas essas interações digitais, em sua maioria, são fragmentadas, condicionadas por algoritmos e raramente deságuam em vínculos consistentes. Como consequência, cresce um individualismo silencioso, disfarçado de conexão.
Estamos cada vez mais centrados em nós mesmos, mesmo quando aparentemente estamos falando com muitos.
Há uma espécie de privatização do afeto. Os sentimentos deixam de circular livremente e passam a ser postados, curtidos e medidos. A carência vira post. O desabafo vira story. A dor vira legenda com filtro. E nessa lógica, o outro deixa de ser alguém com quem compartilho e passa a ser público, platéia — ou, no máximo, espectador engajado.
O problema não está em compartilhar. Está em reduzir a experiência afetiva a uma vitrine. E essa vitrine, por mais bonita que pareça, é fria, sem cheiro, sem toque. É ali que nasce a solidão mais cruel: a solidão no meio da multidão.
A fuga do presente: quando o aqui já não basta
A dependência do celular também revela uma recusa cada vez maior em viver o presente. A ansiedade pelo próximo conteúdo, pela próxima mensagem, pelo próximo clique, nos afasta do que está diante de nós. É como se o “aqui” nunca fosse suficiente, como se estivéssemos sempre em busca de algo mais interessante, mais envolvente, mais digno de atenção — ainda que esse “mais” nunca chegue de fato.
É por isso que tantos casais reclamam de falta de diálogo. É por isso que tantas amizades esfriam. É por isso que os jantares em família viram momentos de silêncio atravessado por luzes de tela. O aqui está sendo sistematicamente trocado pelo “lá”.
E o mais inquietante: essa prática tem sido normalizada. O estranhamento com o vício em tela é cada vez menor. Tornou-se corriqueiro deixar de lado uma conversa para responder uma notificação, interromper um raciocínio para conferir uma atualização, desviar o olhar humano para mergulhar no feed. Essa nova etiqueta social, disfarçada de modernidade, mascara um desinteresse crescente pelo outro enquanto sujeito real.
O individualismo como produto
O que está em jogo, portanto, é mais do que um problema de etiqueta ou distração.
É a formação de uma subjetividade profundamente individualista, na qual o outro só é relevante enquanto reforça minha autoimagem. É um tipo de relação funcional, onde o afeto é mediado por algoritmos, e o contato humano é substituído por simulações.
E se pensarmos bem, essa lógica é extremamente conveniente para um modelo de sociedade que valoriza o consumo acima da convivência, a eficiência acima da empatia e o desempenho acima do afeto. O telefone, nesse cenário, não é apenas um dispositivo. É um símbolo. Um espelho do tempo em que vivemos.
Dessa forma, a queixa sobre a falta de relações profundas é legítima — mas ela não pode ser dissociada do comportamento cotidiano que alimenta esse vazio. Não adianta lamentar a solidão se, ao mesmo tempo, se recusa o encontro.
Não há laço sem presença. E presença, hoje, parece ser o recurso mais escasso de todos.
E se o problema não for a solidão em si, mas o fato de termos desaprendido a estar verdadeiramente com o outro — e até conosco mesmos?
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