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sexta-feira, 13 de agosto de 2021

ESSE ANO EU NÃO MORRO

                                                                                                             
A ginasta Simone Biles se afastou das decisões da ginástica de Tóquio para focar em sua saúde mental. Emocionada, admitiu publicamente problemas psicológicos como ansiedade, falta de confiança em si mesma e ausência de divertimento, que ela chama de “demônios que habitam sua mente”, e que precisam ser enfrentados.

Rebeca Andrade, ginasta brasileira, em sua declaração parece sair em defesa da colega: “As pessoas têm de entender que não somos robôs. Somos seres humanos e cometemos erros, sofremos, adoecemos, fracassamos”. Freud já havia chamado atenção para esse assunto ao afirmar “somos feitos de carne e osso, mas temos de viver como se fôssemos de ferro”. Aí eu pergunto porque precisamos suportar e satisfazer tantas exigências ou expectativas, sobretudo quando estão além de nossas condições ou limites?

Biles vira o jogo e dá exemplo ao valorizar sua psique. Desmistifica a ideia de que atletas de alto rendimento são mitos e diz não ser uma supermulher e sim humana, com fragilidades, medos e angústias como todo mundo. Tais atletas, similar há milhares de trabalhadores, hoje, “colaboradores”, fazem parte de “times” competidores, cobrados por resultados e que se tornam operadores de tarefas, cumpridores de metas. Assediados pela ideologia individualista de autoajuda e da meritocracia, se jogam de corpo e alma iludidos de que tudo podem, desde que acreditem realmente em si, e se esquecem de que quanto mais altas as expectativas e ideais, mais forte pode ser o impacto da decepção.

De fato, a quantas exigências absurdas nos submetemos na vida, a custo de muito sacrifício e sofrimento? Será que realmente precisamos nos escravizar tanto, seja no lar, no trabalho ou nos estudos? Será que precisamos ser os melhores em praticamente "tudo" que fizermos? Porque precisamos ser o mais querido, o mais amado, o mais admirado? Será que precisamos ser sempre o funcionário exemplar? Um pai, um filho, ou uma mãe, tão "perfeitos", a ponto de comprometer nossa vida emocional e pagar um preço alto por isso? A dica é saber exatamente quais são nossos limites, até onde podemos ou devemos ir, até onde é saudável o esforço e a dedicação em busca do êxito nos empreendimentos que possam acrescentar sentido e alegria à vida. Freud alerta que “poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons”.

Biles, diante de tanta pressão e expectativa escolheu a sua saúde mental, e parafraseando uma famosa expressão do saudoso cantor e compositor Belchior, sem medo de ser feliz, pode dizer ao mundo: "ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro".

 

 

 

 


segunda-feira, 28 de junho de 2021

A DOR DA PERDA E A POSIÇÃO DO PSICANALISTA

 Certa vez acolhi uma paciente em terapia que chorava, inconsolavelmente, pela dor da perda de um familiar que amava. A morte teria o levado para sempre. 

Como ser um humano comum e sensível a dor do outro, em algum momento teria vontade de enxugar as lágrimas dessa paciente, quem sabe abraça-la, dizer uma palavra de conforto - de que aquela dor passaria com o tempo, ou, ao menos, seria abreviada. Nesse caso, é como se dissesse: “pare de chorar (chega!), não aguento mais ver isso”!

A princípio, por empatia e por compaixão, não haveria mal algum nessa atitude de tentar consola-la, afinal, é comum as pessoas agirem dessa forma quando alguém próximo está sofrendo. Certamente porque sofremos juntos, por por velo assim.

No entanto, tratando-se da posição de um psicanalista, ele precisa adotar uma postura de certa “abstinência” (não confundir com frieza). Abster-se, tanto quanto possa, significa abdicar ou privar-se de tomar uma decisão, atitude ou executar determinada ação. Significa respeitar a dor do outro. 

Em síntese, o que a paciente mais queria e precisava naquele momento, era realmente poder chorar. Nada que eu pudesse fazer e/ou dizer, amenizaria ou suprimiria a dor que ela estava sentindo. Doía muito a dor da perda da pessoa que amava. O vazio deixado pela morte (ausência) dessa pessoa era imenso. Teria devastado sua vida. Assim sentia e verbalizava. 

Se eu a abraçasse, secasse suas lágrimas, dissesse algo no sentido de tentar amenizar “a situação”, estaria confundindo, minhas “questões” com as dela. Afinal, minhas “questões”, minha dor, minhas faltas, meus sintomas, meus medos, etc, vejo e trato em minha análise pessoal com minha analista.

Certamente ela também não me abraçaria, não me diria “palavras de conforto”, menos ainda secaria minhas lágrimas. Isso quem faz, geralmente, são nossos familiares, nossos (as) amigos (as), visto que, também é difícil para eles, ter que presenciar a dor do outro, sobretudo, quando não há nada que se possa realmente fazer de efetivo para sanar por completo tamanha dor. Essa situação, mobiliza representações inconscientes de suas próprias dores. 

Analista não é amigo. Se estiver agindo como tal em seu ofício, está cometendo um “deslize”, ferindo frontalmente a ética da profissão. Isso é diferente de acolher alguém que sofre, respeitar sua dor, mediante uma escuta atenta e “flutuante” que, assim, o analisando, vivenciando essa dor, significando-a, ou simbolizando-a, poderá dar um destino a ela, através daquilo que ele traz na fala e dirige ao analista. Quem sabe, poderá encontrar, daí sim, um certo alívio para seu mal-estar.

O analista trabalha com aquilo que não se sabe, com um saber insabido, (inconsciente), muito embora o analisando o coloque na posição de um Sujeito Suposto Saber, aliás, isso é necessário para que uma análise se efetue como um processo terapêutico. De fato, eu não sei sua hora de parar de chorar, de sofrer. Aliás, será que alguém realmente sabe? 

Ou então, acreditar que pode lançar um “saber definitivo” (uma vez que jamais poderá vivenciar a experiência) sobre a dor do outro, ou melhor, querer livrar o outro de sua própria dor, não seria por que a presença e a revelação dessa dor mobilizam nossas próprias dores recalcadas, negadas? 

Diante disso, é possível ter uma ideia do porquê, um sujeito só pode se tornar (psic)analista, por exemplo, depois de um longo tempo de análise pessoal. O desamparo (constitutivo) do ser humano, que remete a (dor da) perda (ou das perdas do outro), é característico e, no “fundo”, similar a seu próprio desamparo (sua dor, a dor da existência) que, aliás, tratada em análise pessoal, permite “um dia”, então na clínica, escutar, em posição de abstinência, a dor dos outros, porém, não mais com base em seu desamparo, em sua dor (recalcada ou negada), uma vez, que foi, o quanto possível, simbolizada, quem sabe até, significada, digerida e definitivamente aceita. Portanto, como nos ensina Freud, “o analista deve ser opaco para seus pacientes, e, tal como um espelho, não mostrar senão o que lhe é mostrado”. 

CREPÚSCULO DA VIDA

                                                                                                          Autor: Arnaldo Chagas  Na vastid...