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sábado, 3 de dezembro de 2022

FANATISMO

       Neste texto, proponho ponderar e refletir sobre o fanatismo e o comportamento dos fanáticos, tanto no âmbito religioso, quanto político. Ambos os tipos de fanatismo, produto de extremismo e intolerância, têm gerado uma infinidade de ações violentas e cruéis tanto no Brasil, como ao redor do mundo, logo, devemos discutir, refletir e esclarecer o fenômeno, bem como resistir e combate-lo.  

Praticamente todos nós conhecemos pessoas fanáticas, aquelas que adotam e defendem cegamente, com devoção, um credo religioso ou uma ideologia política. Nada o fazem mudar de opinião. É como se tais pessoas encontrassem uma verdade última ou certeza absoluta, daí, fazem o que podem para afirmar a primazia de sua fé as demais pessoas e não toleram opiniões diferentes das suas, por considerarem equivocadas.

Fanatismo pode ser entendido como um estado psicológico de impulsão excessiva, irracional e persistente em relação a uma ideia, pensamento ou coisa. O fanatismo também pode ser considerado uma paixão, admiração ou zelo exagerado e cego a uma pessoa, líder, celebridade, há um Deus, há uma crença, ideologia, símbolos, etc.

O fanatismo indica tudo aquilo que os fanáticos veem como mal e, por isso, combatem e querem eliminar do mundo, para o “bem da humanidade e para a felicidade do ser humano. No âmbito específico da religião (ainda que possa ser similar ao fanatismo político), o fanatismo, caracteriza-se como um empenho exasperado do crente em defender suas convicções ou posições doutrinárias e convencer os outros a abraçar a mesma fé. Quanto mais essa fé se sente questionada e ameaçada, maior o empenho em defendê-la e mostrar seu valor e eficácia. O fanatismo, aliás, é muito frequente em pessoas com “personalidades” paranoides (com ideias persecutórias) que, ao aderir apaixonadamente uma causa, seus pensamentos podem aproximarem-se ou se confundirem com delírio.

Tomo como exemplo, fanáticos bolsonaristas, no intuito de trazer elementos para compreendermos o mundo em que estamos vivendo, porém, o fanatismo, diz respeito a qualquer ideologia política ou religiosa que se segue e defende de maneira cega e extrema.

As atitudes bizarras, extremas, motivos de chacotas e memes, de bolsonaristas encarniçados, inconformados com o resultado das eleições, aglomerados em frente aos quartéis, bem como atitudes de crentes pentecostais (mas não só), que choram, gritam e oram implorando a intervenção divina, numa verdadeira crise de histeria coletiva, revelam fanatismo.  

Em Porto Alegre, andei entre os manifestantes bolsonaristas que protestavam, inconformados, com a vitória de Lula nas últimas eleições. Observei, filmei, gravei e interpretei suas falas, atitudes e reivindicações. Daí, a ideia de escrever esse texto, pois, trata-se do fenômeno do fanatismo. Nos referidos protestos, com intenção golpista, em frente à quartéis, há vários cartazes e pessoas implorando ajuda das forças armadas e reivindicando intervenção militar (que dissimuladamente decidiram chamar de “internvenção federal”), com Bolsonaro no poder. O argumento principal, resumem-se em: “as eleições não foram legitimas, ouve fraude”.

Vi mulheres fascinadas, vestidas de verde e amarelo, enroladas na bandeira do Brasil, marchando pelas ruas e, numa espécie de jogral, cantavam repetidamente: “SOS, Bolsonaro”, “SOS, Forças Armadas...”. Uma multidão cantava, praticamente o dia todo, o Hino Nacional, o Hino da bandeira, etc. 

Em Santa Catarina, bolsonaristas fanáticos cantaram o hino nacional fazendo um gesto semelhante à saudação nazista (“Sieg Heil”). Ademais, só um fanático, arrisca a vida por uma causa baseada e conspirações, segurando-se nos limpadores de para-brisa de um caminhão, sendo carregado por vários quilômetros. Só fanáticos cantam o Hino Nacional para um pneu, etc. Vários manifestantes choravam, cantavam, oravam ajoelhados e marcham pedindo intervenção militar. Só mesmo fanáticos acreditam e defendem teorias conspiratórias como se fossem verdades absolutas, pior sem nenhum constrangimento. É como se eles estivessem defendendo uma verdade que só eles enxergam.

Diante disso e com a ajuda das novas tecnologias da informação e as redes sociais, já não podemos discernir com tanta segurança e convicção, o que é realidade factual e o que é ficção. Parecem que estão se confundindo na atualidade. O filósofo italiano Ian Vattimo, já havia nos precavido de que a “realidade em si não existe”, uma vez que, ela nunca está dissociada das interpretações. Como afirmou Nietzsche, o mundo verdadeiro nos converteu em fábula”. Tudo aquilo que nossa imaginação cria não poderá encontrar na realidade uma reprodução exata.

O certo, como nos ensinou Freud, é que a realidade se apresenta como fonte de todo o sofrimento. Somente com a realidade factual é impossível vivermos, de maneira que, se quisermos ser de algum modo felizes, temos de romper, até certo ponto, as relações com ela, criar “ficções, ilusões, enfim, fantasiar”. Assim, podemos tentar recriar o mundo, em seu lugar construir outro mundo, no qual os seus aspectos mais insuportáveis sejam eliminados e substituídos por outros mais adequados a nossos próprios desejos. No caso do fanatismo, os fanáticos se perdem em si e de si, passam de todos os limites e acabem criando e acreditando numa realidade paralela. Ora, o trabalho construtivo, a arte, por exemplo, em geral, já nos bastaria. Os seres humanos não vivem sem ilusões e crenças, elas são condições necessárias, para que ele possa enfrentar a “realidade” que é dura demais para eles, quase sempre insuportável.

Nem sempre as ilusões precisam ser necessariamente falsas, irrealizáveis, ou permanecerem em contradição com a realidade. Elas não necessitam ser um engano ou um erro. Algumas delas podem ser realizadas, porém, outras, como é o caso do fanatismo aqui apresentado, não.  

Essas crenças e ilusões, que mobilizam e que uma massa de manifestantes bolsonaristas fazem investimento, estão em contradição com as provas da realidade. Ora, como diz Freud, a crença, a fé, as ilusões, realizáveis ou não, dizem da construção imaginária do sujeito. A ilusão desenvolve-se desde tempos remotos mediante a experiência subjetiva que se tem do mundo externo e do mundo interno, sem ela, seria praticamente impossível suportar as imposições, os desafios da realidade e as ameaças constantes de sofrimento, que são apresentadas aos homens pela civilização. O ser humano encontra nas ilusões um “lugar de satisfação”; nelas, o homem busca evitar o sofrimento ou o desprazer que é imposto pela natureza, procura encontrar um refúgio do mundo como se transcendesse a ele. O recurso à proteção enganadora é uma constante tentação que ressurgirá sempre que a distância entre o sonho e a realidade for fonte de grande insegurança e angústia. São estas as características da ilusão.

O que é característico no comportamento do fanático, é que ele vive de uma fidelidade intensa. Diz ser verdadeiro e autênticos. Na verdade, é um devoto incondicional de uma causa, justamente por estar tomado pela fé, crença e ilusão, por isso, rejeita e despreza as provas da realidade. O zelo excessivo a uma ideia, ideologia, etc, faz com que ele perca a capacidade de reflexão crítica.

A crença, a fé cega e a ilusão, como Freud nos ensinou, “provoca o desaparecimento do trabalho do pensamento, o qual comporta interrogação, dúvida, exercício mental. Pensar implica um processo doloroso, infinito, que só pode levar a respostas temporárias, as quais destinam-se a serem um dia superadas. Mas o pensamento é também descoberta, alegria frente ao desconhecido, excitação diante a percepção de novos caminhos, entusiasmo ao encontrar, enfim, aceitação e elaboração dos conflitos nos quais se debate. Quanto a crença, ela é obstrução, ponto de chegada, resposta dogmática e definitiva”.

Em “Psicologia das multidões”, Le Bom afirmou, que “nas grandes multidões, acumula-se a estupidez em vez da inteligência. Na mentalidade coletiva, as aptidões intelectuais dos indivíduos e, consequentemente, suas personalidades se enfraquecem”. É a falta de inteligência que leva os fanáticos a uma doutrinação, por quem protagoniza discursos que influenciam e manipulam pessoas. Sua razão decaí, sua visão torna-se estreita e a emoção se destaca em sua mente, cegando-o. Como exemplifica Le Bom, “o sujeito se torna facilmente submetido a manipulações e doutrinações. E sem saber — ou não — quem sai beneficiado por mais um fanático em determinada causa, é quem a sustenta: o partido político; a religião; um líder”.  

O fanático vive de expectativa utópica, ilusória. É diante desse “engodo” que ele se movimenta. Para ele, o mal reside naquilo e naqueles que contrariam seu modo de pensar, levando-o a adotar condutas irracionais e agressivas que podem, inclusive, chegar a extremos perigosos, como o recurso à violência e meios cruéis para impor a aceitação ao seu ponto de vista.

Os extremamente fanáticos, possuem uma visão de mundo unilateral e inflexível. Não raro, deprecia e amaldiçoa todo aquele que não está alinhado e não compartilha de suas preferências, visões de mundo ou pontos de vistas. Eles são abastecidos ideologicamente, sobretudo, por teorias conspiratórias, ressentimentos e discursos de ódio, em relação aos supostos inimigos, daí, muitos sentem-se autorizados a ofender e atazanar a vida de outras pessoas.

O fanático, como podemos constatar, é exaltado, extremista e intolerante. Pelo seu zelo obstinado, pode-se valer inclusive de violência e meios cruéis, como já afirmamaos, a fim de obrigar os outros, a seguir aquilo que acredita, ou punir aqueles que não estão afim de abraçar sua causa. Nesses casos, não importa se aquilo que ele acredita é falso, ilusão, mentira ou conspiração. 

É importante não confundir um entusiasta de uma ideia, ou causa legitima e nobre, com um fanático. O fanático, é um devoto fascinado e obstinado por dada crença, ilusão ou dogma. Ele fixa-se exasperadamente numa ideia. Verifica-se em sua conduta, a imposição do Único e a negação da pluralidade. Busca e aceita sem questionar uma “verdade absoluta” naquilo que crê, daí, não há mais discussões, só subordinação e obediência cega. Aos outros, que não creem ou contestam tais verdades, receberão como respostas dos fanáticos, aversão, ódio e ataques.

Um dos maiores exemplo de fanatismos coletivos que conhecemos na história mundial, foi o nazismo. A ideia básica, era: “crer, obedecer e lutar”. O fanatismo está sempre relacionado a acontecimentos de exaltação coletiva. Muitos personagens, líderes históricos, considerados fanáticos, foram fundadores ou seguidores de seitas, eles conseguem, através do carisma e das crenças que transmitem, sugestionar, capturar e manipular adeptos.

Destarte, na defesa exagerada e cega de um partido político, ideologia, crença, etc, abole-se os limites da razoabilidade humana, daí, passar da civilização a barbárie, é um passo.  De todo modo, o que não é incomum, é que, na primeira decepção, facilmente o fanático toma posição contrária ao que acreditava e logo busca encontrar outra verdade para poder acreditar, isto é, se fascinar e se iludir novamente.

Por fim, o melhor antídoto contra o fanatismo, é uma educação intelectual, civil e democrática, uma educação que possa proporcionar a livre discussão de ideias e a reflexão crítica, ao contrário da educação autoritária, carregada de verdades últimas, definidas e absolutas. É preciso compreendermos que existe uma imensa gama de vias de acesso às realidades e verdades, se valer de uma única via, é o risco que corremos de desembocar no fanatismo.

 Arnaldo Chagas - Psicólogo, Sociólogo e Escritor

 

 

 

 

 

sábado, 26 de novembro de 2022

Arnaldo Toni ou Arnaldo Antunes?

Domingo pela manhã, Arnaldo Toni decide encomendar um frango assado por telefone:

- Bom dia. Quero encomendar um frango.

- Para que horas?

- Pode ser pra às 11:30. Não, não, é melhor aí pelas 11:40, 11:45. O horário dependerá muito da hora que sairei daqui de casa e também de como está o trânsito. Pode ser?


- Ok. É você mesmo que vem pegar?

- Bem, provavelmente seja eu. Mas deixa ver aqui com minha esposa. Parece que ela vai dá uma saidinha, daí, se ela for pra esses lados, já peço pra ela passar aí pra pegar o frango.

- Como é seu nome?

- Arnaldo Toni

- Arnaldo Antunes?

- Não! Meu nome é Arnaldo Toni. Até gostaria que fosse Arnaldo Antunes. Sério mesmo! Adoro esse cantor e compositor. Gosto muito também das poesias dele...

- Moço, por favor...

- É sério senhora! Arnaldo Antunes nos ensina muito, através de suas poesias. Ele trata da materialidade das palavras, com a qual o campo da psicanálise também lida e eu adoro psicanálise. A palavra é para ler, ser escutada, vista e contaminada pelo silêncio que a reveste, viu só! Gostou?

- Ok, ok! Me repita seu nome, por favor!

- Meu nome, como lhe disse, é Arnaldo Toni

- Há sim, Arnaldo Antônio?

- Não, não é Arnaldo Antônio. Aliás, a senhora me fez lembrar do cara aquele do Facebook que usa como marca registrada o próprio nome. Ele se chama Antônio, mas você pode procurar ele no Facebook como: "Eu me chamo Antônio". Sabe, na real mesmo, até pensei em fazer um trocadilho e usar como minha marca registrada no Facebook, "Eu me chamo Arnaldo Toni". Legal né!?

- Moço, estou cheio de serviço aqui, só preciso anotar seu nome. Repita ele bem devagar:

- A r, n a l, d o  T o, n i

- Arnaldo Drones?

Não, não... meu nome é A r, n a l, d o,  T o, n i.  Pegou aí: A r, n a l, d o,  T o, n i.

A  mulher se emputeceu e desligou o telefone: "chega! Seu chato de galocha. Vai te catá!"

"Arnaldo Toni insistiu por umas 6 vezes, mas ela não mais atendeu.  

Arnaldo Toni, não aguentou o tirão e resolveu se queixar para Raquel, sua amiga. Ela sentiu que o caso era sério e decidiu ajudar:

- Mas tu é desagradável mesmo Toni! Só a Dolores, com aquela paciência toda, pra te aguentá. Eu hein! Vai te tratá home!

Raquel indicou análise com o famoso psicanalista Hermenegildo Amador Calado, o mais ortodoxo psicanalista lacaniano da cidade. Tipo analista de Bagé. Um especialista em neurose obsessiva.  

Mais de 3 anos e meio de análise.

Arnaldo Toni volta a ligar para encomendar um frango assado:

- Um frango assado.

Teka nem lembra mais dele. Atende o telefone novamente:

- Temos de vários tamanhos, pequeno, médio e grande, qual você prefere?

- Médio

- Eles ficarão prontos a partir das 11:30. Há que horas fica melhor para você vir pegá-lo?

- 11:45

- Bem, se acaso atrasar um pouco, mas raramente isso acontece, nós ligamos e avisamos você, pode ser?

- ok

-  Às vezes acontece da pessoa que encomenda mandar outra pessoa vir buscar o frango. Aí pode dar confusão. É você mesmo que vem buscar?

- Sim

- Se por acaso você pedir para outra pessoa vir buscar, ela terá que dizer seu nome e informar seu telefone pra não dar confusão, certo?

- Entendi.

- A gente anota aqui seu nome e aí quando você vir buscar é só informar. Como é seu nome?

- Arnaldo Toni

- Arnaldo Antunes? Não acredito! Adoro esse nome. É o nome do cantor e compositor que mais gosto. Sou fã de Arnaldo Antunes. Será que foi em homenagem a esse cantor que seus pais lhe deram esse nome? Você aprecia às músicas desse cantor? As poesias dele são lindas.

 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

PROTEÇÃO AOS ANIMAIS


 Não vejo vídeos de atrocidades. Desse sintoma não sofro. Mas sei que existem certas pessoas que possuem verdadeiro fascínio por isso. Não significa negar a crueldade humana em relação a seu semelhante, a natureza ou a animais. Já escrevi vários textos tratando da maldade do ser humano, sobretudo, em relação aos bichos. Aqui tocarei mais uma vez no assunto.

Sou um covarde, não mato uma galinha. Antes que um vegano extremista conteste: “não mata, mas, depois de morta come a carne!”, respondo: “sim, como a carne”. Acontece o mesmo em relação ao peixe, ao boi, etc. Entendo que os animais, ao serem “sacrificados”, não devem sofrer jamais. Há um forte movimento dos defensores de animais, que tratam sobre essa questão. Ela está avançando no mundo todo. Há leis hoje que protegem os animais. Maltratá-los dá cadeia.

Não judio, nem mato animais, muito pelo contrário, convivo muito bem com eles e preso pelo seu bem estar. Lá no sítio, me viro bem no manejo com a bicharada. Conquisto eles, deixando-os em local adequado, alimentando-os, dando carinho, respeitando seus limites e conhecendo seus instintos.

Dói no coração, saber como certas pessoas podem ser tão insensíveis, a ponto de abandonar pelas ruas, seus animaizinhos de estimação. Durante minha vida, já resgatei muitos cãozinhos e gatos debilitados: desnutridos, com magreza excessiva, feridas profundas, em carne viva, fraturas nos membros, etc. Desidratação, anemia e infecção, são comuns nesses casos.  Sem socorro, muitos morrem.  

Como escritor, tenho tratado também dessa temática. No conto “Macheza”, o menino Candinho, protagonista, sai para caçar de bodoque pela primeira vez com seus amiguinhos. Ao acertar a cabeça de um passarinho, entra em parafuso. Frustra-se ao querer ser que nem seu pai militar, que é caçador de javali. Nessa estória, o leitor poderá sentir, que atitudes machistas reforçam tais comportamentos.

No conto “Tormento Kafkaesco”, do livro “dos Exasperados aos Acometidos”, recém lançado, há uma cena brutal do ser humano contra um boizinho indefeso. “Mimoso” é o animalzinho de estimação de Érick, protagonista da estória. Nesse conto escancaro a brutalidade do ser humano, diante da confusa e perigosa relação entre coragem e machismo. A ideia por trás desses e de outros contos, é sensibilizar o ser humano, estimulando a solidariedade, o cuidado, a compaixão e a generosidade, seja entre os humanos, entre eles e natureza ou entre ele e os animais. Sem essas qualidades, nos transformamos em verdadeiros monstros e não em animais como muitos, equivocadamente, afirmam.

Arnaldo Chagas 

 

 

       

 

      

 

 

 

 

 

  

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

SOBRE A VIDA DE ESCRITOR E SOBRE O LIVRO "DOS EXASPERADOS AOS ACOMETIDOS"

Comentários sobre o primeiro livro de contos, "dos Exasperados aos Acometidos", de Arnaldo Chagas, que acaba de ser lançado pela Editora Drago (RJ):  

 Os contos que estão no livro foram selecionados dentre tantos outros que tenho arquivados. Através das estórias, escancaro a brutalidade do ser humano, mas também a sensibilidade e a solidariedade. São contos urbanos que chocam, sensibilizam e comovem. Confronto o que há de pior e de melhor na natureza humana. O leitor vai se deparar com um misto de crueldade e de generosidade que cobrem as narrativas. Os contos relatam dramas que chocam e revelam os limites do sofrimento humano, bem como, o destino imprevisível que seus impulsos destrutivos podem alcançar, quando diante de situações desoladoras, que podem abalar e desnortear qualquer pessoa. 

 Como ocorre o processo criativo do escritor Arnaldo Chagas? Quais são suas inspirações?

 O meu processo criativo se dá sempre na solitude. Ocasião em que me isolo do mundo. São ocasiões em que vou para o sítio da família ou quando me enclausuro no meu gabinete ou consultório. Esses são meus cantinhos especiais e preferidos para reflexão, criação e escrita. Nesses momentos consigo entrar em contato com meu mundo interno, com minhas emoções mais profundas, daí, coloco “relativamente” em (des)ordem, as ideias que me ocorrem. As ideias inventivas surgem de diferentes maneiras. Nisso sou eclético, creio. De todo modo geral, minhas inspirações surgem de situações observadas ou/e vivenciadas na realidade objetiva. Quase todos os contos apresentados no livro "dos Exasperados aos Acometidos", por exemplo, tiveram inspirações em fatos. Daí imagino várias possibilidades de desenvolvimento dos conflitos e seus finais. Às vezes já está tudo projetado quando me lanço a escrever, outras vezes, tenho uma ideia vaga e me lanço a escrever, durante o processo de escrita, as ideias vão surgindo. Nesses casos, até o desfecho me surpreende, justamente por ser inesperado. Isso é algo incrível. Relaxo e deixo o inconsciente trabalhar a meu favor.  

 Um exemplo é o conto “Pronto, Socorro”. Certo dia presenciei um acidente terrível. Um carro e uma motocicleta se chocaram violentamente. Como também sou motociclista – viajo de moto – esse acidente me impactou profundamente, ademais, como trabalhei a vida toda em hospital e socorri muitas pessoas acidentadas, nasceu o referido conto. O leitor, a leitora, perceberá (sem spoiler), que o movimento da narrativa “vai se movimentando com o personagem, da rua para dentro do hospital”, cenário, aliás, onde ocorre a maior parte da estória e seu desfecho. Todos os contos desse livro, têm um pé cravado na realidade factual. Se são contos realistas ou não, deixo para os leitores decidirem e opinarem.  

 Outra inspiração é a escuta atenta. Costumo dizer, que “a melhor escola de escuta é o silêncio atento”. Escuto pessoas livremente, de forma amoral, procuro ouvir sem intervir. Anoto o que ouço. Por meio dessas anotações, vou elaborando associações de ideias e registrando. Depois guardo numa gaveta para retomar mais tarde.   

 Um pequeno trecho de um dos contos do livro: 

 Do conto: “Tormento kafkaesco”, p. 35, do livro:

 Sábado pela manhã, um frio de tiritar, ouço o barulho da camionete. É papai chegando na fazenda. Vejo-o pela janela dando ordem a três peões para reunir o rebanho no curral. Feliz da vida vou ao encontro de meu pai:

— Bom dia, coronel Miranda. Vão vacinar o bicharedo?

— Melhor que isso. É dia de abate.

— Abate!?

— Sim. Doei a carne para a festa de amanhã.

Paralisei. Notei que o gado está agitado no curral. Mimoso me olha e tenta andar em minha direção, mas um peão grita e o faz voltar. Meu coração dispara, sinto um aperto no peito, um nó na garganta, estou sem entender nada. Olho para a Juraci. Ela observa da janela em silêncio. Não consigo reagir, meu defeito de sempre. Algo me inibe por completo.

Papai olha tranquilamente para o rebanho, aponta para Mimoso:

— Aparta esse zebuzinho aí. Tá no ponto!

Uma aflição terrível toma conta de mim. Não! Não pode ser!

Com a corda já no pescoço, Mimoso pressente o perigo. Seus olhos arregalados fixam os meus. Berra pedindo ajuda. Ele sempre quando me via corria para perto de mim. Eu me desespero. Não sei o que pensar, o que fazer.


Em breve uma entrevista completa do escritor Arnaldo Chagas, para a Revista "Conexão Literária" (total: 359.674 seguidores) & "Paralelo 29".

 

CREPÚSCULO DA VIDA

                                                                                                          Autor: Arnaldo Chagas  Na vastid...